segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Artigo da pós-graduação (conclusão)

RESULTADOS

Os resultados da E.O.C.A. mostrou que a criança estava em processo de alfabetização, com dificuldades na leitura e escrita. Durante a aplicação da Pareja Educativa, L. olhou atentamente dentro da caixa, pegou alguns objetos, devolvendo-os em seguida. Refletiu um pouco e, sem muita convicção, acabou interessando-se primeiramente pelas peças de montagem, com as quais construiu um carrinho. Estimulado a utilizar materiais escolares, optou por realizar um trabalho de pintura de desenho impresso. L. demonstrou organização. Entretanto, sua opção inicial por objetos familiares (Lego) revelou insegurança em sair de seu universo particular para adentrar-se em um mundo relativamente novo, para ele cheio de dúvidas e incertezas. Suas dificuldades em lidar com o novo também ficaram evidentes quando foi estimulado a interessar-se por outros materiais. Novamente optou por algo mais rotineiro para ele, sem ousar arriscar-se a optar por algo diferente pelo medo de errar.
            A L. foi solicitado que fizesse um desenho relacionado à educação, com a finalidade de verificar maturidade cognitiva, presença da afetividade, indicador de vinculação com o ser que ensina, indicador de envolvimento com a aprendizagem e aspectos motores. O aluno desenhou uma criança sentada em sua carteira aparentemente feliz, com um professor um pouco distanciado dele, mas também demonstrando contentamento. Apesar de o aluno ter uma professora, seu desenho indicou tratar-se de um educador do sexo masculino. Não traçou chão, tampouco caderno, quadro branco, lápis, livros ou cadernos e colegas. Somente a criança e a figura de quem ensina, separados, a uma considerável distância, por uma carteira. Quanto ao desenho em si, revelou ausência de problemas motores.
            Durante relato oral (função semiótica: elaboração significativa; cognição: esquemas e estruturas de pensamento compatíveis com a idade) sobre quem ensina e quem aprende, L. relatou o seguinte: “Este aqui não sabe ler e ‘vai na’ escola para aprender. O outro (apontando para o educador) é que vai ensinar ele a ler. (Quem é?) um menino. (Como é esse menino?) gosta de brincar. (De que?) de carrinho e bonecos de montar. (E o que mais gosta na escola?) de aprender. (E o que quer aprender?) a ler. (E como você acha que ele vai aprender a ler?) não sei”.
A fala de L. foi coerente com o expressado no desenho, demonstrando estrutura de pensamento compatível com a idade. No entanto, quando disse que o “menino” não sabe como aprenderá a ler, confirmou o seu desnorteamento em relação ao processo ensino e aprendizagem.
Convidado a escrever sobre seu desenho, o aluno recusou-se, alegando que ainda não sabe escrever, revelando mais uma vez, seu medo frente ao novo e insegurança em relação à superação de desafios.
            Outro procedimento foi a aplicação de avaliações pedagógicas. Primeiramente as de entrada do 2º Ano, sem que L. lograsse êxito na realização das mesmas. Após, foram levadas provas de entrada do 1º Ano, por se entender serem mais adequadas ao seu desenvolvimento. Nestas últimas, L. fez todas as atividades de matemática sem dificuldade. Nas de português apresentou dificuldades, por não dominar a leitura – que pautou as intervenções psicopedagógicas seguintes.
            Poucos progressos foram obtidos nas duas primeiras intervenções. Na terceira, demonstrando contentamento com os encontros e com os incentivos dados a ele, numa visível demonstração de melhora de sua auto-estima, L. conseguiu interpretar oralmente um texto lido para ele. Envolvido na atividade, empolgou-se e quis tentar ler sozinho, logrando êxito em ler palavras relacionadas aos personagens desse texto. E comemorou cada acerto, demonstrando alegria com seus progressos e mais entusiasmo na realização das atividades.
            A janela de oportunidade aberta na terceira intervenção proporcionou os avanços obtidos nas intervenções finais, em que o aluno desincumbiu-se das atividades com relativa facilidade em relação ao início do trabalho, melhorando significativamente a leitura e a escrita de palavras formadas por sílabas simples. Na última intervenção, L. começou a ler espontaneamente textos dos mais diversificados, como embalagens e folhetos publicitários. Em sala de aula, passou a participar mais autoconfiante e entusiasmado.

DISCUSSÃO

As dificuldades de L. devem-se à insegurança frente ao novo, medo de rejeição, adoção de comportamento defensivo para evitar prejuízos à sua auto-estima, normalmente baixa e subestimação da própria capacidade. Isso acontece porque alguns padrões de comportamentos não estão ligados diretamente a cognição. São os chamados padrões de reação diante da realidade, o modo como a pessoa se vê, modos de interagir com outras pessoas e a ansiedade que é um sentimento desagradável quando atinge um nível máximo, seus componentes são de natureza neurofisiológica, emotiva, motivacional e comportamental e atingem a pessoa tanto no seu estado físico como no seu estado emocional (PINGOELLO, 2009).
            Em relação ao desenho, L. teve clareza de que está num ambiente escolar para aprender e que tem um professor para auxiliá-lo nessa tarefa. Teve consciência de que estava distante do conhecimento que deseja atingir, revelada pela distância entre ele e o professor e pelas barreiras que enfrenta no processo, manifestada pela carteira que o separa do educador. No entanto, percebe-se que L. tinha uma relação de expectativa com esse processo, revelada pelo seu e pelo semblante sorridente pelo professor, além do aceno que o educador lhe faz no desenho. O aluno estava ainda um pouco desnorteado em relação à vida escolar, fato demonstrado pela ausência de chão, lápis, quadro e etc.
            A partir do desenho, segundo Weiss (1992), podemos conhecer o que a criança entende por processo de ensino e aprendizagem. Já o distanciamento do professor expresso no desenho de L. pode ser explicado, de acordo com Freud, pela esperança que a criança tem de resgatar os pais idealizados ao transferir para o professor as expectativas e o respeito ligados aos pais de outrora. Porém, com o tempo, começa a sentir o mesmo desapontamento, porque também o professor não é tão poderoso, sábio e justo. Daí, a criança começa a ter as mesmas queixas do professor, repetindo as que teve com os pais, tais como: ele não liga pra mim, ele só elogia meu colega , ele só me critica, ele só defende o fulano, etc. Portanto, o professor pode ser surpreendido por atitudes e reações inusitadas dos alunos, inclusive agressivas, provenientes de problemas mal resolvidos da infância (Ferrari, 2005), ou pelo desnorteamento, como o verificado em L.
            O mecanismo de recalque ficou evidente quando o aluno foi convidado a escrever sobre seu desenho. O recalque é um dos mecanismos de defesa que fazem parte dos procedimentos utilizados pelo Eu (Ego) para desempenhar suas tarefas, que em termos gerais consiste em evitar o perigo, a ansiedade e o desprazer (Moura, 2008). Esse mecanismo em parte é resultado de alterações afetivo-emocionais, motivacionais e de relacionamento interpessoal que tem contribuído para o surgimento dos problemas de aprendizagem (Boruchovitch, 2001). Dessa forma, uma criança que já vivenciou experiências de fracasso escolar (como é o caso de L.) tem uma baixa expectativa de sucesso, pouca persistência na realização das tarefas e apresenta uma auto-estima rebaixada (Carneiro et al, 2003). Conseqüentemente, tem pouca motivação e nutre sentimentos negativos em relação à escola, às tarefas e em relação a si mesma, apresentando diferenças significativas em relação a seus iguais que não vivenciaram a experiência do fracasso (ARIAS et al, 1997).
Elaboradas com a finalidade de contribuir para um ensino adequado e uma aprendizagem eficaz, procurando, num primeiro momento, determinar se o aluno atingiu ou não os objetivos predefinidos, as avaliações pedagógicas, também conhecidas como formativas, são centradas nos processos cognitivos dos alunos e associada aos processos de feedback, de regulação, de auto-avaliação e de auto-regulação das aprendizagens (Fernandes, 2006). Em relação a L., elas evidenciaram a necessidade de intervenções pedagógicas – voltadas, em última análise, à promoção do acesso aos bens socioculturais e ao desenvolvimento de capacidades (Japiassu, 2007) - que proporcionaram a abertura de janelas de oportunidades, consideradas o período em que as crianças parecem ter maiores facilidades para desenvolverem cada tipo de inteligência. É importante notar que o aprendizado não se limita ao “período de abertura” de cada janela. Em outras palavras, todas as inteligências podem ser estimuladas e desenvolvidas no decorrer da vida (ILARI, 2003).

CONCLUSÃO

            As dificuldades de aprendizagem não são um tema novo na educação brasileira, mas de alguns anos prá cá parecem mais evidentes, nos dando a ideia de que seu número vem multiplicando-se a cada dia nas salas de aula. Os problemas são desafiadores para os envolvidos no processo educativo exigindo conhecimentos e competências capazes de saná-los.
            Neste tentame, é imprescindível conhecer os mecanismos relacionados à aprendizagem, mas isso não basta. É necessário à equipe pedagógica o papel do cientista que perscruta os escaninhos da mente, as características particularizantes do indivíduo com o qual estabelecerá relação, sabendo enxergar nele potencialidades latentes que ninguém mais vê, apostando nele o que talvez ninguém mais aposte, projetando neste indivíduo muito mais do que a realidade objetiva lhe possa sugerir.
            Quando se negligencia essa obrigação, corre-se o risco de anular potencialidades de pessoas que futuramente fariam a diferença para toda uma sociedade, pois as coloca em uma situação de portadores de inteligência inferior, sendo tratados como incapazes para a aprendizagem e outras tarefas mais (Chamat, 2006). Por outro lado, quando se cumpre com esse papel, colhem-se resultados como os descritos pela própria autora, hoje PhD pela universidade Sorbonne Paris, conforme prefácio de sua publicação sobre Altas Habilidades e Superdotação, reproduzidas a seguir:
“Talvez, tenha relutado em escrever este livro, por ter me identificado com os sujeitos que pretendo discutir no conteúdo e, ou o próprio tema, pois, tive muitas dificuldades no aprender. Ouvia com freqüência: Nem parece filha de quem é... e nem parece ter o irmão que tem (...). Minhas dificuldades terminaram na 6ª Série, através de Educação Artística, onde realizava atividades esplêndidas externalizando todo o meu potencial. Quanto penso isso, reflito sobre o fato de existirem muitas crianças com a mesma problemática e não estarem recebendo a ajuda necessária para o desenvolvimento”.

REFERÊNCIAS

TAILLE, Y. L., OLIVEIRA, M. K., DANTAS, H. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Ed. Summus, 1992.
ZACHARIAS, V. L. C. Centro de Referência Educacional – Consultoria em Educação. Disponível em: http://www.centrorefeducacional.com.br/piaget.html. Acesso em 23 de set. 2011.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico.2. ed. São Paulo: Scipione, 1995.
OLIVEIRA, M. K. Pensar a Educação: Contribuições de Vygotsky. In: Piaget-Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática, 1988.
GIASSI, M. G. Haverá luz no fim do túnel? A presença da escola e da educação no parque humano. Disponível em:
http://forum.ulbratorres.com.br/2007/TEXTOS/PALESTRA/GIASSI,%20Maristela%20Gon%C3%A7alves.pdf . Acesso em 15 de set. 2011.
FUNAYAMA, C. A. Problemas de Aprendizagem: Enfoque Multidisciplinar. Campinas (SP): Alínea, 2000.
VISCA, J. Clínica Psicopedagógica. Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
CHAMAT, L. S. J. Técnicas de Diagnóstico Psicopedagógico. O Diagnóstico Clínico na Abordagem Interacionista. 1. ed. São Paulo: Vetor, 2004.
_________. Altas Habilidades Superdotação. São Paulo: Sara, 2006.
SAMARA, H. As janelas de oportunidade e o papel da Educação Infantil no séc. XXI. Disponível em: http://www.escolamobile.com.br/as-janelas-de-oportunidade-e-o-papel-da-educacao-infantil-no-sec-xxi/. Acesso em 15 de set. 2011.
PINGOELLO, I. Descrição comportamental e percepção dos professores sobre o aluno vítima do bullying em sala de aula. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual Paulista. Marília, 2009. Disponível em:
WEISS, M .L. L. Psicopedagogia Clínica: Uma Visão Diagnóstico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
FERRARI, R. F. Considerações psicopedagógicas da relação vincular professor-aluno. Disponível em:
MOURA, J. Mecanismos de Defesa. Disponível em:
BORUCHOVITCH, E. Dificuldades de aprendizagem, problemas motivacionais e estratégias de aprendizagem. In: SISTO, F. F.; BORUCHOVITCH, E.; FINI, L. D. T.; BRENELLI, R. P.; MARTINELLI, S. C. (Orgs.). Dificuldades de aprendizagem no contexto psicopedagógico. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
CARNEIRO, G. R. S.; MARTINELLI, S. C.; SISTO, F. F. Autoconceito e Dificuldades de Aprendizagem na Escrita. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(3), pp. 427-434.
ARIAS, A. V.; CABANACH, R. G.; PÉREZ, J. C. N.; SUÁREZ, A. P. F. Características afectivas y motivacionales de los estudiantes con dificultades de aprendizaje. Revista galega de psicopedagoxia, Vol. 10, Nº 14-15, 1997, pags. 53-74.
FERNANDES, D. Para uma teoria da avaliação formativa. Revista Portuguesa de Educação, 2006, 19(2), pp. 21-50.
JAPIASSU, R. A linguagem teatral na escola: pesquisa, docência e prática pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2007. Disponível em:
ILARI, B. A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimento para a educação musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 9, 7-16, set. 2003. Disponível em: http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/revista9/revista9_artigo1.pdf. Acesso em: 15 de set. 2011.

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